sábado, 24 de abril de 2010

SEM VOLTA, A IDA


A canoa bojuda apontando na subida do rio. Àguas barrentas, pejadas de galhos, quase paradas, naquele remanso. Ligeiras ondas fugindo para as margens. Na beira, as casas, suspensas nos moirões, cantante, gemente, da volta à corda tensa, onde a mulher cozia o caldo, para a hora da chegada. O rio jogava, espumas amarelas, respingava o lençol de tão branco no varal, secando. Parecia uma garça branca de asas estendidas flanando a luz que o sol peneirava na água.
Não negasse a estória: que o estrangeiro tivesse contado tudo estava certo. Menos de saber o que recebera pelo quarto, não desejava. Subira o preço? Farinha, fubá, café, carne seca, fumo, sal. Não pudera encontrar a opalinha azul, chita de ramagem, chitão para a cortina da varanda.
A correia subia, descia, as costas sangravam, deixando enormes sulcos abertos, como uma flor vermelha. Roupa suja lavando o costado do barco. Quem é que podia esperar tal façanha? Saltou, com jeito de entender de safra. A água não bulia seu dorso de tamanha mansidão. Por isso aceitara o preço. Esteira estendida no chão rangia mansa. Gosto de chocolate na boca do homem recendia dentro da garganta. Amor não sentira. Um fogo no corpo, que corria pela espinha, afogueava o rosto. Os olhos tremeram. As pernas bambas se dobraram. Sem luz não pudera conter.
Tão certo, tão exato, não contara as luas.
Filho de manhã, quando acordara.
Voltaria breve trazendo vestidos, de seda. Roupa posta a secar na corda tensa sobre as águas sujas do rio.
A canoa passou ao largo, bojuda, de mantimentos carregada, para o alto. A última esperança ficara nas remadas. Àguas reunindo no torvelinho, no meio, o corpo afunda levado para o certo, definitivo, esvoançante como as borboletas, de asas esgazeadas.
Nem sangue deixara. Mãe e filho.

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