sábado, 24 de abril de 2010

Pouso Triste

POUSO TRISTE


Beto largou pai e mãe, se fez nas estradas, com a roupa do corpo. Mãe entrevada na cadeira viu o filho partir como um estranho, decidido, os passos firmes, pesados, batendo no chão. Os olhos de mãe buscaram os cantos da casa, esconderam-se medrosos, fundos, na cara engelhada. Fedor de mijo ardendo nas narinas, subindo da poeira que a cadela levantava. Não mexia o canto da boca. Irrequietos os pelos do braço corriam para baixo como sapé bravo. Mãe, ali, rija, não falava, nem pensava. Parada. E o filho cada vez mais distante se sumia, além da porteira, da bica d’água, no meio dos cavalos, em direção da estrada larga, para além do rio e do barreiro. Já pai mastigava o fumo nos dentes, socava o bordo da mesa com a mão cerrada, resmungava consigo mesmo, a cabeça cheia de recordações malvadas, uma vida amarrada naquelas plagas estorricadas, amassando o barro duro, quebrando os galhos de espinho no costado. Acostumara-se com o agreste. Sabia lidar com os machos, apanhá-los no descampado a laço e trazê-los no pulso, sem molestar. A vida é sol a pino, dizia, mas pai sabia enfrentá-la, e não pensava em deixar o Pouso Triste. Principalmente porque a terra estava nas carnes, no sangue. Ali enterrada Ninha Zita, ao pé da paineira, entre o céu e a terra. Pouso Triste ficava no ponto mais alto do Batatal, rente ao azul, tocando as nuvens, e de lá se via o mar, até o horizonte.
- Corta na carne!
Os olhos de pai explodiram num brilho estranho, de demente, o corpo repuxava na pele, as carnes endureciam. Era a visão de Ninha Zita que lhe subia à cabeça e confundia tudo, misturava o passado, revivia coisas de doer o coração. Ninha Zita tinha os olhos negros, cabelos lisos, sedosos, longos. Uma tristeza bonita nos olhos, de fazer chorar. Ficava sentada assim tão sozinha, com a cadela entre as coxas, a mexer-lhes nos pelos com os dedos. Ele tomava conta dela detrás da paineira, sem que Ninha Zita soubesse, e amava-a, com dor no coração de vê-la murchar a sua beleza, sem conhecer o bom, o luxo da cidade, os vestidos de seda.
- Você quer ir, Ninha Zita?
- Não sei, pai, aqui é tão bonito. Depois tem mãe para mim cuidar.
Ora queria, ora não. Pai às vezes estranhava a filha, quieta, sem sonhos. Mas sabia que era a mãe a causa de tudo. Mãe que não existia a não ser nos limites da varanda, olhando tudo tão de longe, do plano horizontal, procurando não ser o obstáculo. Mesmo assim gostava de ouvir Ninha Zita falar das coisas do Pouso Triste. Por isso ficava mais tempo na varanda, para sentir o mar perto do seu corpo, o cheiro do verde esmagado pelos cascos dos animais, tudo sem ver, apenas no calor da voz de Ninha Zita.
De manhã cedo a menina andava pelo mato, à vontade; subia nas pedras, nas árvores, descia correndo atrás da cadela morro abaixo, livre como os pássaros do mato. Ou dobrava-se nos moirões da cerca, e ficava vendo os potros esponjarem-se no barro vermelho. Voltava para casa. Mãe, sozinha, na cadeira, esperava-a como sempre, de olhos estatelados. Ela vinha alegre, o rosto suado, sentava-se junto de mãe, contava suas façanhas, que viu as flores, os pássaros, o rio, milhares de coisas. Sorria, mãe também. De repente, calava; ninguém conseguia arrancar mais uma palavra de seus lábios.
Pai, quando os homens chegaram, não imaginou que eles pudessem fazer tamanha maldade. Começaram maltratando os animais. Coisa do demônio. Vieram do outro lado, do cerrado, onde a gente do coronel mandava.
Ninha Zita viveu trancada no quarto. Pai tomava as providências para evitar complicação, e temia a afronta dos homens. Mas se preparava para a briga. Juntara os homens que pudera, certos, corajosos, para vingar daquela gente.
Um mal nunca vem só. Ninha Zita quis ver o rio com sua extensão de verde. O rio todo se contorcendo como uma surucucu gigantesca, caminhando para o mar. Mãe andava triste, piorava. Era a falta do mar. Quis e foi, desceu o morro, atravessou a porteira, tocou o rio. Os homens não a deixaram voltar. Pai trouxe-a, enterrou-a ao pé da paineira, entre os outros, animais e gente, na mesma terra.
No dia seguinte, pai reuniu uns quantos homens e deram busca nos assassinos. Beto, menino, queria ser como pai, ter controle, agüentar a dor sem desespero, para depois, a sangue frio, vingar-se a seu modo, cobrando tudo. Pai aprendera a virtude da espera, a sós, no silêncio da sala. De lá só saiu para a vingança. Os assassinos caíram um após o outro. Pai voltou ferido, com a perna arrastando. Beto olhou-o no branco dos olhos, a voz não saía da garganta. “Ninha Zita está vingada, pai?” precisava perguntar isto ao pai. Pai, porém, nem esperou. Um berro rouco explodiu de sua boca.
- Corta na carne.
Beto permaneceu hirto no lugar. Os olhos vermelhos, grandes, fitos na perna do pai, só viam os corpos retalhados à faca, o sangue borbulhando pelos poros, Ninha Zita, os assassinos, os animais. Não podia continuar como os outros. Pra quê? Já não havia Ninha Zita com sua beleza triste. Pai estava reduzido a couro e osso. Mãe morria aos poucos, esquecida no canto do quarto. Beto não agüentava mais. Veio descendo o morro, sem olhar para trás. Ouviu um tiro seco. Parou. Novo disparo. Seu corpo estremeceu. Beto escorregou para o chão. Uma voz apenas atravessava o silêncio.
- Corta na carne!

FÉLIX CARBAJAL

FÉLIX CARBAJAL


É uma figura curiosa. Extremamente curiosa - me disseram. “Você vai gostar dele. É poeta, também”.
Não dei importância ao fato como esperavam. Tenho conhecido muita gente extravagante. Neguinho Saci era uma dessas peças de museu. Quando o circo esteve na cidade, ele foi o mais aplaudido. Artes do diabo o moleque tinha. Ficávamos com os olhos acesos pregados na boca do picadeiro, vigiando a entrada do negrinho. Não prestávamos atenção sequer nos palhaços que fazia a alegria da garotada. Queríamos ver a beleza do salto mortal que ele dava de cima duma escada de teto, o corpo subindo, subindo, e quando menos se esperava, dava duas, três cambalhotas no ar, num salto mortal inimitável e caía de pé, sob os aplausos frenéticos da multidão. No dia que errou o salto, partiu o pescoço; Zacharias, com h, o homem corda. Não havia nó que ele não soltasse. Um dia amarraram-lhe os braços e pernas no ficus da praça, cadê que se soltou, nada. Dormiu a noite amarrado. Era um inverno rigoroso. Amanheceu enregelado, quase morre de frio. Tiveram de embebedá-lo de conhaque, no dia seguinte; nunca mais apareceu na cidade. O cigano das facas. Coisa de sobrenatural. Jamais pude entender como conseguia enfiar a faca no corpo até o cabo, o sangue escorria de verdade, chegava a respigar na gente. Nem era com ele. Metia a mão no bolso, sacava um trapo de pano encardido, enxugava o sangue. Aí corria um tacho de cobre. Quem não lhe atirasse dinheiro ficava marcado. Todo mundo atirava. Maria Maluca, dizem, fora uma grande cantora lírica. Viera clandestina num vagão de trem da Central do Brasil. Na primeira apresentação no banco da plataforma da Estação, cantou toda a ópera Aída, de Verdi. Uma tarde saiu correndo pelos trilhos a fora num agudo interminável. Perdeu-se na fumaça.
O nosso primeiro contato foi casual. Félix era uruguaio. O pai teria sido um músico de certa fama. Órfão de mãe. Morre o pai, ele vai para a Espanha estudar. Sevilha, Córdova, Granada, El Guadalquivir, “verde que te quiero verde”. Naquela noite los touros tinham sido imolados em praça pública. Cortaram los culhões. Um nojo. Fiquei com uma raiva filho-da-puta. A arte era sua exigência. Diziam, mas não realizavam.
Vendeu a mansão que o pai deixara. Todas as casas. Violino. 15 mil pesetas no bolso. Paris. Mulheres. Roma. Taiti. Aqui viveu Gauguin. Fruir a carne nativa na areia suja de tinta.
Félix era o mundo. Me conhecia. Te conhecia. Hemingway. Bandeira. Pignatari. Paulo Mendes Campos. “Um relógio de sol?” indaguei. “Sim, algo simples, rudimentar, cheirando o passado”. O cálculo geométrico estava pronto. A inscrição, em latim, na primeira folha de “Tartarin du Tarascon”.
De repente o rádio dá a notícia. Guimarães Rosa morreu. Félix retém a colher de pedreiro no assentamento do tijolo. “Pois construamos seu túmulo” e seus olhos eram uma cachoeira.
Na manhã seguinte, quando chego na praça, não encontro Félix. Apenas aquele estranho relógio de sol, marcando as horas de sua vida andarilha, nascido sobre o túmulo de Guimarães Rosa. Incompreendido. Odiado relógio de sol.
Encontro Félix no bar. Roga-me dinheiro. É inútil, Félix, você é filósofo, um louco para eles”. Penso: “O homem não é uma ilha; é todo um continente”. Seus olhos estão magoados, talvez viajando para algum país desconhecido e distante. Estranha natureza humana. Ele me senta na cadeira. “Deixe isso pra lá. Ouça Antônio Machado:

“Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino.
Y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar”.

Não o encontrei mais. Resta, na praça, apenas, um relógio de sol que as picaretas um dia derrubarão para sempre.
SEM VOLTA, A IDA


A canoa bojuda apontando na subida do rio. Àguas barrentas, pejadas de galhos, quase paradas, naquele remanso. Ligeiras ondas fugindo para as margens. Na beira, as casas, suspensas nos moirões, cantante, gemente, da volta à corda tensa, onde a mulher cozia o caldo, para a hora da chegada. O rio jogava, espumas amarelas, respingava o lençol de tão branco no varal, secando. Parecia uma garça branca de asas estendidas flanando a luz que o sol peneirava na água.
Não negasse a estória: que o estrangeiro tivesse contado tudo estava certo. Menos de saber o que recebera pelo quarto, não desejava. Subira o preço? Farinha, fubá, café, carne seca, fumo, sal. Não pudera encontrar a opalinha azul, chita de ramagem, chitão para a cortina da varanda.
A correia subia, descia, as costas sangravam, deixando enormes sulcos abertos, como uma flor vermelha. Roupa suja lavando o costado do barco. Quem é que podia esperar tal façanha? Saltou, com jeito de entender de safra. A água não bulia seu dorso de tamanha mansidão. Por isso aceitara o preço. Esteira estendida no chão rangia mansa. Gosto de chocolate na boca do homem recendia dentro da garganta. Amor não sentira. Um fogo no corpo, que corria pela espinha, afogueava o rosto. Os olhos tremeram. As pernas bambas se dobraram. Sem luz não pudera conter.
Tão certo, tão exato, não contara as luas.
Filho de manhã, quando acordara.
Voltaria breve trazendo vestidos, de seda. Roupa posta a secar na corda tensa sobre as águas sujas do rio.
A canoa passou ao largo, bojuda, de mantimentos carregada, para o alto. A última esperança ficara nas remadas. Àguas reunindo no torvelinho, no meio, o corpo afunda levado para o certo, definitivo, esvoançante como as borboletas, de asas esgazeadas.
Nem sangue deixara. Mãe e filho.

Poetas de Mangaratiba - Plínio Bastos

POESIA
(Plínio Bastos)

Meus amigos poetas, fantasistas
que procurais, ansiosos, a poesia
e, afinal, nos trazeis coisas tão vistas
que nem a pena de vos ler valia.

Falais de flores, de sol, de alegria
e o mundo vos proclama hábeis artistas,
donos da rima, mestres da harmonia
e doutras grandes poéticas conquistas.

Falais de estrelas, rosas, malmequeres
e do mágico olor que se tresanda
dos cabelos e bocas das mulheres...

Parai! Parai, poetas, por favor!
Quereis poesia? Entrai numa quitanda
e comprai, para a amada, uma couve-flor...

DE ESTAÇÃO DE PARTIDA

A CARTOMANTE

Meu caminho está fechado
de punhais. Afiados dentes
de hienas que me espiam.
Riem de minha morte
e se banqueteiam com meus destroços.

São sete esquinas a minha vida:
alguém me espreita no beco
da noite. Apenas um número
me salvará de suas teias
nem a carta e nem a mosca
me salvam da certeza do amor
da dama vermelha da janela azul.

DE ESTAÇÃO DE PARTIDA

ONDE MINHA ALMA ?

Artífice de minhas dores eu sou.
Não invento estradas longas
e não me deparo jamais com Van Gogh
carregando sua orelha num prato.
Prostitutas bonitas não se balançam
nas redes estendidas no horizonte
nem super-homem repõe Sol na sua órbita .
Vejo figuras desgrenhas se contorcendo
de solidão e fome.
Perambulam poetas de pés quebrados
sem ossos e sem ritmo
por ruas noturnas como a selva escura.
Não piloto centauros de estrelas
que não me passo por poeta maldito.
O que me acorda é a loucura de não encontrar na vida
uma forma de ser decifrado
enquanto aguardo minha alma que se perdeu.

DE ESTAÇÃO DE PARTIDA

O AVESSO DA RUA

As ruas não são tristes.
As ruas não são alegres.
As ruas são trágicas
e cômicas.

Às vezes fazem rir as cenas
do gordo que caiu
na poça d’água,
ontem morreu um bêbado de ataque de riso
hoje acharam uma criança morta na rua
de fome.

As ruas não são coloridas,
mas em preto e branco
como a vida
e o avesso da rosa
que não sabemos.

DE ESTAÇÃO DE PARTIDA

FUGA

O que me fogem
Não são meus pés
eles têm nós, raízes
que me eternizam no chão.

o que me afugentam
não são hordas de bárbaros
invadindo meus domínios
de intransponíveis solidões.

O que me (trâns ) fuga
é o medo de ser pássaro
quando a beleza do vôo me constrói.

O AVESSO DA RUA

As ruas não são tristes.
As ruas não são alegres.
As ruas são trágicas
e cômicas.

Às vezes fazem rir as cenas
do gordo que caiu
na poça d’água,
ontem morreu um bêbado de ataque de riso
hoje acharam uma criança morta na rua
de fome.

As ruas não são coloridas,
mas em preto e branco
como a vida
e o avesso da rosa
que não sabemos.
Os barcos

Tantos e tontos os barcos.
do horizonte
além da quina do verde
parecem algodões
soltos no ar.

Partem de rumo exato
de certa chegada
a um porto
sem pressa.

Vão lentos
soprados
pura paina
espuma sobre o mar.

Se perdem no longe.

DE ESTAÇÃO DE PARTIDA

A CIDADE

Não canto minha cidade
ela se canta.
Eu canto
seu desabafo
essa veloz cidade
que me espanta
com seus fantasmas.
Uma cidade não se canta
se desencanta
do escuro do baú
suas caras mofadas de estórias
de estupro e de suicídios
sem gente dentro do grito
da dama que não morreu.

Minha cidade não canto nunca.
Ela sangra.

DE ESTAÇÃO DE PARTIDA

MEMÓRIA

Medos pavores soluços
os gemidos do casarão arcaico
tio João chamando
na cabeceira da ponte.
É o vento diz minha mãe
batendo nos bambus.
E as correntes arrastando
no corredor do barão?
De onde vem
para onde vão ?
É o Noroeste ó filho
que chega de agosto.
São vozes da noite, os morcegos, os bruxos,
os meus fantasmas possessos.
São os cães do seu avô,
diz minha avó
não sei de onde.

DE ESTAÇÃO DE PARTIDA

INFINITO ESTAR SÓ

Longe é o infinito.
O ir
atravessar os labirintos
do azul.
Hiperorizontar-se
um pássaro
sol/
(e) ar
solar.
Longe é o retorno
de quem parte
mas não chega.
As pegadas que se atrasaram
e se perderam no tempo.
Longe são as esquinas
da solidão.

DE ESTAÇÃO DE PARTIDA

o mar

o soluço de Deus
o mar
essa eterna-
idade de ser
paisagem.
Bicicleta

Pedalar.
Vou recebendo o vento
no rosto. Nos olhos cores
e a sensação de pássaro.
O súbito e o susto
do tombo. Retornança
de uma ave ferida
ao ninho.

ÍNSULA

Declino esta forma
de se saber azul:
um retrato de existir
borrão de infância.

Declino artes e sons
de flauta afinada ao vento
de bocas e gargantas e dentes
sintáticas ou sintéticas
composições de barcarolas.

Declino verbais construções
de cavalos espumantes
vôos de pássaros
ébrios.

Declino recomeçar de mares
desvendados
fabular de nações de corais
barcos naufragados
tesouros irrevelados de piratas.

Declino sua ilha
esta solidão que vejo ao longe.
FILÓSOFO

Tenho as minhas mãos
cheias de sim e não.
Sim creio na luz, no Sol,
na água corrente sem volta,
no mergulho renovado, no fluir
por entre as pedras e o limo.
Sim creio no vôo de Ícaro,
no retornar de Ulisses,
na ática existência, no som
e na fúria, na sede, crio
a luz que transborda dos olhos
da amada Marisa mansa e plena.
Não transo figuras, transfiguro
a espera de um trem que não pressinto
mas que sinto trilhar nas minhas veias.
Estação de partida sou sem chegada.

DE ESTAÇÃO DE PARTIDA

KINGFISHER

Quando o Kingfisher pousa nas margens do rio
faz nascer o Sol.
Os guamenses se reúnem e festejam
dançam e bebem
porque sabem que a paz não dura
para sempre.

Diz a lenda que o pássaro pescador
passa a vida a pescar a própria sombra
no fundo do rio
para que o Sol não se ponha nunca
e a paz na ilha de Guam dure para sempre.
PARADOXO

No campo florido do Palácio
da rainha da Inglaterra
seus netos caçam faisão
e são felizes com suas
espingardas de linhagem.

Na praça florida da Candelária
os policiais
caçam crianças infelizes
que não sabem que os faisões
e os urubus são aves,
mas somente o faisão
tem sangue azul.
CANÇÃO DO SILÊNCIO

Filásticas de sal
colhidas
no amanhecer de seu corpo
pássaro de cintilações
invenção de vôos
pura mágica de sonhos.

Tua morada
edifício de espelhos
onde Narciso se adora
amor e abismo
se calam.

Ó ave inconsútil
teia de silêncio
por que não inventas
uma canção de seda
que só o coração
dos deuses e poetas
entenda.

sábado, 10 de abril de 2010

ÁGUA DE ONTEM

Enquanto durmo

cão angustiado

a cidade vive

multidão de sonhos.

Enquanto fujo

água sem passado

o moinho mói

girassóis de espuma.

Enquanto morro

poeta sem mistérios

o jardineiro planta

saudades no jardim.

EXERCÍCIOS


A: AMOR

Rubro romã celeste.

B: BONDADE

Teus olhos no céu bordado.

C: CARINHO

Pés de corça no relvado.

D: DEDICAÇÃO

Noites vagas na solidão da rua.

E: ESPERANÇA

Praia: ânsia de mar

F: FÉ

Fímbria de luz no abismo.

G: GOZO

Macias almofadas de cetim.

H: HONRA

Essa fonte de mistério.

I: INCONSTÂNCIA

Teus seios relógios alados.

J: JUVENTUDE

Ânfora de rosas e vinho.

L: LASCÍVIA

Serpentes verdes deslizantes.

M: MANSIDÃO

Ovelhas enoveladas no silêncio.

N:NÉSPERAS

Teu corpo colhido no pomar.

O: OCASO

Auroras vistas nunca achadas.

P: PAIXÃO

Túneis escavados no escuro.

Q: QUIETUDE

A ave antes do vôo sonha.

R: RITMO

Estes passos surdos, pulsáteis.

S: SAUDADE

Solidão: ilha de espera.

T: TERNURA

Tece tecelão do espanto.

U:UNIVERSO

Teu mundo o corpo cede.

V: VIDA

Vitória: batalha finda.

X: XÁCARA

Música silenciosa do amor.

Z: ZELO

Objeto do amor: o nada.